Deixe a tartaruga nadar

Deixe a tartaruga nadar
Tartaruga-verde. Foto: Ágatha Naiara Ninow/Instituto Tartabinhas.

(Texto: Louise Stefany Polesello)

As tartarugas-marinhas são consideradas um componente primitivo e singular da diversidade biológica. Pertencem à mais antiga linhagem de répteis vivos, tendo aparecido pela primeira vez no período Jurássico. O registro mais antigo de tartaruga-marinha no mundo data de aproximadamente 110 milhões de anos, encontrada em Santana do Cariri, na Chapada do Araripe (CE).

Elas são animais que vivem muito tempo, podendo chegar até 100 anos. Porém, entre as tantas que nascem, são poucas as que conseguem chegar à fase adulta. Isso porque durante o seu ciclo de vida enfrentam muitos perigos e ameaças. Após o nascimento, as tartarugas-marinhas partem para o mar em busca de uma área para se desenvolver. Por não terem cuidado parental e serem tão pequenas, medindo de 3,5 a 4 cm, poucas conseguem sobreviver à imensidão azul.

E o perigo não acaba quando chegam ao mar. Lá ainda existem muitos predadores, e apenas 1 ou 2 em cada 1.000 filhotes vão chegar até a fase adulta. Algumas espécies podem viver em oceano aberto por toda a sua vida, como a tartaruga-de-couro. Outras, ao atingirem a fase juvenil, vão para as áreas de alimentação em regiões costeiras ou próximas a ilhas oceânicas, alimentando-se de algas e pequenos animais marinhos.

Por apresentar condições favoráveis para o crescimento das algas, Bombinhas é uma importante área de alimentação para as tartarugas-marinhas. Quando frequentam a região, entre 5 e 10 anos, costumam alimentar-se de peixes e presas fáceis, como águas-vivas e algas marinhas, e Bombinhas se torna um local atraente.

Mas, se por um lado elas ficam mais tranquilas após chegar às áreas costeiras, por outro, novos desafios aparecem pelo caminho. Agora as tartarugas ficam mais suscetíveis à ação antrópica, podendo ser capturadas pela pesca e ingerir lixo. E foi com esse propósito de cuidar e proteger as tartarugas-marinhas do litoral de Bombinhas, que nasceu o Projeto Tartabinhas. Desde 2017, a ONG se dedica à conservação das espécies, realizando monitoramentos subaquáticos, pesquisas e atividades de educação ambiental.

Instituto Tartabinhas

“Aos cinco anos eu já sabia que queria ser bióloga-marinha e trabalhar com tartarugas”, conta Luciana Fortuna Nunes, idealizadora do Tartabinhas. A bióloga marinha e mergulhadora Dive Master diz que sempre sentiu uma ligação muito forte com o mar. Depois de se formar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, em 2012, ela veio para Bombinhas para fazer o curso de mergulhadora. E foi ali, em busca de tornar realidade o sonho de cuidar das tartarugas-marinhas, que ela também encontrou o amor e parceiro de sua vida.

O mergulhador e fotógrafo subaquático Juan Pablo Carneval carrega consigo, há mais de 25 anos, a magia e habilidade na aproximação para fotografar tartarugas-marinhas. Nascido no Uruguai, Juan conta que seu amor por mergulho começou ainda no país natal. Mas foi em Bombinhas que ele conheceu e se apaixonou pelas tartarugas. “Eu trabalhava em uma escola de mergulho e nós costumávamos mergulhar na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. Foi na Ilha da Galé que eu vi, pela primeira vez, uma tartaruga: era a Filomena, muito tranquila e mansa. Desde então criei um carinho e vínculo muito grande com as tartarugas”, diz.

Juan viu no Projeto Tartabinhas a oportunidade de unir mergulho e fotografia com pesquisa científica, e ele conta como funciona esse trabalho. “A primeira coisa fundamental para se conseguir fotografar tartarugas é que a água esteja limpa, com visibilidade, para que ela também consiga te enxergar de longe e não se assuste. Também não se pode chegar por cima delas. Tem que ser no mesmo nível ou abaixo”, explica o fotógrafo. A sintonia entre Luciana e Juan foi tão grande que hoje eles são casados e têm um filho, o Noah, de 4 anos.

Mas juntos, os dois sentiam que faltava ainda uma terceira peça para completar o quebra-cabeças. Na busca por apoio, editais de financiamento e parcerias, eis que o mar trouxe alguém para completar a equipe. Não foi com apoio financeiro, mas com o mesmo sentimento de amor, resistência e experiência na área que a bióloga Ágatha Naiara Ninow, formada em 2017 pela Universidade de Passo Fundo – UPF, chegou para somar à causa. Então, há três anos, a equipe Tartabinhas atua com três excelentes profissionais e defensores da natureza, que todos os dias se dedicam e vivem pela realização do projeto.

Ágatha, Juan e Luciana, da esquerda para a direita. Foto: Instituto Tartabinhas.

Monitoramento subaquático

O Instituto Tartabinhas tem o objetivo de proteger as tartarugas-marinhas, levantando mais dados sobre as espécies encontradas no litoral de Bombinhas, através de pesquisa científica e educação ambiental. Assim, por ser menos invasivo, o monitoramento subaquático, por meio da fotoidentificação, foi a metodologia adotada pela equipe. Nesta modalidade, não é preciso capturar o animal para coletar informações, o que gera o mínimo de estresse a esses seres vivos.

Uma vez por semana a equipe do Tartabinhas mergulha da Prainha até a Praia da Sepultura, num trajeto de aproximadamente 1 quilômetro. Durante a Pesca Artesanal da Tainha, de maio a julho, a equipe realiza também o monitoramento junto com os pescadores na Praia do Retiro dos Padres. “Quando as tartarugas-marinhas vêm nas redes, os pescadores nos avisam e, então, nós fotografamos e depois soltamos elas”, conta Luciana.

Percurso do monitoramento subaquático semanal da equipe do Tartabinhas. Google Maps.

Já são 89 tartarugas-marinhas catalogadas pelo Instituto Tartabinhas desde o início do monitoramento. A espécie mais encontrada é a tartaruga-verde (Chelonia mydas), mas também há registros da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e da tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), criticamente ameaçada de extinção.

De acordo com Ágatha, a fotoidentificação funciona como uma espécie de identidade das tartarugas-marinhas. Com essa ferramenta, é possível saber qual é a população fixa de tartarugas-marinhas de Bombinhas e os indivíduos que somente passam pela região ou ficam um determinado período de tempo. “Nós conseguimos identificar quantas tartarugas permanecem o ano inteiro aqui, quantas aparecem somente no inverno e, ainda, se elas se deslocam entre as praias. Também é possível acompanhar o desenvolvimento, verificando se ela perdeu ou ganhou peso, se teve alguma doença e se ações antrópicas podem estar influenciando no comportamento delas, por exemplo, com a questão do lixo e da pesca”, explica Luciana.

Ágatha diz ainda que o monitoramento subaquático funciona como um instrumento de prevenção. Como as espécies de tartarugas-marinhas são ameaçadas de extinção, quanto mais informações sobre o ciclo de vida desses animais, mais é possível desenvolver ações para favorecer o desenvolvimento da espécie. “Por exemplo, a gente já viu e sabe que o canudinho mata tartaruga. Então trabalhamos para conscientizar a população a mudar seus hábitos”, conta.

Limpeza subaquática

Além de nadar ao lado das tartarugas, a equipe realiza limpezas subaquáticas. Recolher o lixo do mar permite identificar os tipos de resíduos predominantes no local e como eles interferem nas tartarugas. Na temporada de verão, quando o número de habitantes do município de Bombinhas salta de 20 para 1,5 milhão, fica evidente o impacto da presença humana no habitat das tartarugas.

Principalmente na Praia da Sepultura, os “lixos de praia”, tais como canudos, copos, sacolas, sachês de condimentos e latinhas, acabam indo parar no fundo do mar. Segundo dados do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), a cada ano, quase 200 mil toneladas de materiais plásticos são lançados ao mar. Somente na costa brasileira, esses resíduos se estendem por mais de 7 mil quilômetros.

Nesse cenário cada dia mais preocupante, as tartarugas, ao lado das aves marinhas, estão entre as espécies mais prejudicadas por confundirem sacolas com alimentos de sua cadeia natural, tais como as águas-vivas. Estimativas mostram que 100 mil animais marinhos morrem todos os anos em decorrência da contaminação de plástico nos oceanos. Segundo pesquisa recente da Universidade de Queensland, na Austrália, mais da metade das tartarugas do mundo já ingeriram plástico.

“O fato de ter turistas na água não influencia o comportamento das tartarugas. Elas nadam tranquilamente entre as pessoas. O que prejudica mesmo é a quantidade de lixo deixada na praia”, explica Luciana. Depois de recolhidos, esses lixos ajudam a compor as exposições do Tartabinhas, junto com fotos, carapaças de tartarugas e maquetes. Em escolas, praias e locais públicos, a equipe explica sobre as tartarugas-marinhas e como os resíduos encontrados interferem na vida desses indivíduos.

Afinal, por que preservar?

As tartarugas-marinhas sobreviveram à extinção dos dinossauros, mas podem não sobreviver à presença dos seres humanos. De acordo com o Greenpeace Brasil, atividades econômicas, como a pesca, o lixo e a exploração de petróleo, estão fazendo tanta pressão sobre as populações desses animais em todo o mundo que seis das sete espécies estão ameaçadas de extinção.

Mas, ainda depois desses 100 milhões de anos de sobrevivência e evolução, as tartarugas-marinhas continuam desempenhando importante papel ecológico nos ambientes onde ocorrem. “A tartaruga-verde, por exemplo, é fundamental para o equilíbrio do ecossistema da região por atuar como controladora de algas marinhas, que crescem muito rápido”, explica Ágatha. Sem tartarugas-verdes, as populações de algas iriam crescer e se espalhar drasticamente, afetando todos os indivíduos  do ecossistema.

Além de as tartarugas-marinhas serem importantes em várias etapas da cadeia alimentar, elas são um importante bioindicador da qualidade da água. “As tartarugas que vivem em ambientes muito poluídos apresentam doenças de pele e tumores, causados pela poluição química dos mares. Esgoto e despejo de óleo e resíduos de embarcações estão entre os principais poluentes. Assim, quando tem muita poluição, as tartarugas-marinhas apresentam maior índice de doença”, explica Luciana.

Quando questionada sobre o futuro das tartarugas-marinhas, Ágatha respira fundo. Uma mistura de esperança com algumas doses de tristeza. “Nós trabalhamos para que as pessoas saibam e entendam como cada ação individual impacta na vida de uma tartaruga-marinha, que impacta todo funcionamento daquele ambiente”, diz. Para Ágatha só o conhecimento pode levar as pessoas a entenderem a importância de preservar. “Nós podemos fazer escolhas e uma delas é escolher não fechar os olhos. A minha ação é o que vai mudar esse cenário, e quem estiver ao meu redor também vai ver isso mudar”.

Luciana vai na mesma direção. Ela diz que, embora ainda veja poucos hábitos sendo mudados, percebe uma maior preocupação das pessoas em discutir as questões ambientais. “Mas se eu não tivesse esperança no futuro das tartarugas-marinhas, no futuro do nosso planeta, o Instituto Tartabinhas nem tinha começado. Eu acredito que sempre podemos melhorar nossos hábitos, mudar nossa cabeça e dar o nosso melhor”, conclui. “É pra isso que o Tartabinhas existe!”.

Ajude o Instituto Tartabinhas

Quem tiver interesse, pode ajudar o Tartabinhas acompanhando e divulgando o site www.institutotartabinhas.org  e as redes sociais www.facebook.com/institutotartabinhas e www.instagram.com/institutotartabinhas. É possível contribuir com qualquer valor, mensalmente ou uma única vez, através do site apoia.se/institutotartabinhas. Além disso, o Instituto realiza a adoção simbólica das tartarugas-marinhas identificadas. É só entrar no site, escolher a tartaruga favorita, dar um nome para ela e realizar a doação mensal para o Instituto.

Outra forma de colaborar é com o banco de dados do Instituto. Basta enviar uma foto que você tirou de alguma tartaruga-marinha, com o local e data do registro, para o e-mail projetotartabinhas@gmail.com. O Tartabinhas também busca apoiadores, patrocinadores e voluntários interessados em viabilizar as ações do projeto, de divulgação, educação ambiental e monitoramento. Para saber mais informações, entre em contato pelo WhatsApp (47) 9 9293-6303.

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