Sorvete à base de tilápia: produto inovador é desenvolvido na Unioeste

Sorvete à base de tilápia: produto inovador é desenvolvido na Unioeste
FOTO – DIVULGAÇÃO

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ)

Especula-se que a ideia do sorvete surgiu na China há mais de quatro mil anos com uma mistura de leite e arroz. Depois de ganhar o mundo, a sobremesa chegou ao Brasil apenas em 1834 quando o navio Madagascar trouxe 200 toneladas de gelo em blocos para a produção do sorvete. Hoje, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes (ABIS), cada brasileiro toma de 5,5 a 8 litros do gelado por ano e em 2020, foram consumidos 1.050 milhões de litros de sorvete no Brasil, o que faz do país o 6º consumidor da sobremesa no mundo. A Nova Zelândia lidera o ranking dos países que mais consomem sorvete no planeta, cada pessoa ingere, em média, 28,4 litros por ano.

Além de ser uma sobremesa refrescante para os dias quentes, o sorvete é um aliado de pacientes que enfrentam o câncer. Por minimizar os efeitos colaterais da quimioterapia e radioterapia, como úlceras e feridas na boca, alterações no paladar, enjoos e vômitos, o sorvete passou a ser indicado para fazer parte da alimentação de pessoas que convivem com a doença.

Foi pensando em ajudar a filha que passava por um câncer gestacional que Ana Maria da Silva, doutoranda em Desenvolvimento Rural Sustentável no Campus de Marechal Cândido Rondon da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), desenvolveu um sorvete em que, com biotecnologia, conseguiu transformar a carne da tilápia em líquido, para assim inserir no sorvete e deixá-lo mais proteico. “A minha filha teve câncer gestacional com quatro meses de gravidez, ela não conseguia comer. Então eu tive a ideia de fazer o sorvete pensando no sofrimento que era para comer por causa das feridas na boca, o sorvete acalma as feridas e desta maneira, consegue-se ingerir proteína”, explica Ana Maria.

O sorvete com hidrolisado de tilápia está em fase de desenvolvimento e a pesquisa tem como objetivo avaliar a qualidade nutricional e a segurança alimentar do produto. A pesquisa é desenvolvida no Laboratório de Tecnologia e Processamento do Pescado e no Laboratório de Química de Alimentos do GEMAq (Grupo de Pesquisas em Manejo na Aquicultura), do curso de Engenharia de Pesca, na Unioeste no campus de Toledo.

Este é apenas um dos resultados dos 13 anos de pesquisa de Ana Maria. Foi desenvolvida uma base para o sorvete e adicionado o hidrolisado da CMS (carne mecanicamente separada), que é resultado de um processo de aproveitamento da carne, não retirada pela indústria responsável em filetar a tilápia. Outro trabalho em desenvolvimento é a CMS enlatada, que agrega valor ao produto e já é disponibilizada pronta para o consumo. Ainda é possível, a partir da CMS, produzir fishburguer, almôndegas, empanados, inserir em bolos, biscoitos e outros produtos.

Utilizando a CMS, a pesquisadora ainda deseja transformar em um pó que possa suprir as necessidades nutricionais de forma rápida e simples, como por exemplo o desenvolvimento de uma sopa proteica que poderá ser levada até mesmo para a estação espacial, ou então disponibilizado a comunidades em situação de vulnerabilidade. Pode-se também, desenvolver um concentrado proteico para ser utilizado na substituição do leite para pessoas alérgicas. “Agora nossa equipe de trabalho pensa em usar a CMS líquida para transformá-la em um pó e fazer um tipo de sopão nutricional que poderá ser levada, como por exemplo, até os indígenas Yanomamis, muitos em condição de fome”, comenta Ana Maria.

Produtos desenvolvidos dentro da Universidade

O interesse por desenvolver pesquisas e produtos feitos à base de pescados começou no GEMAq baseado no avançado desenvolvimento da aquicultura no Estado do Paraná, que é um dos principais produtores de tilápia do Brasil. “A tilápia é um pescado que tem um sabor suave e agradável ao paladar, além de ter muitas proteínas e vitaminas. É um pescado que já tem uma grande aceitação no mercado e a proposta é de se usar melhor todo o pescado, aproveitando a carne não só da tilápia, mas também de outros pescados, para que sejam aproveitadas as carnes que ainda sobram após a retiradas dos filés”, explica Ana Maria.

De acordo com o orientador da doutoranda, Arlindo Fabrício Corrêia, os produtos são pensados para integrar pesquisa e extensão para promover o desenvolvimento local. “Neste tipo de pesquisa não buscamos apenas um produto, mas estabelecer conexões entre a produção de alimentos, pautado na sustentabilidade e na geração de renda, com resultados que promovam uma alimentação segura e saudável, criando então uma rede de atores que partem da produção e industrialização, até alcançar o consumidor final”, destaca o professor.

Ana Maria começou sua pesquisa ainda na graduação no ano de 2008, quando se viu envolvida no programa de inserção do pescado na alimentação escolar no município de Marechal Cândido Rondon, transformando a tilápia do pequeno produtor em CMS e, a partir disto, elaborando produtos saudáveis para as crianças das escolas municipais. A acadêmica fez o seu mestrado no Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), da Marinha do Brasil, trabalhando com o desenvolvimento de produtos à base de pescados marinhos com a comunidade de pescadores artesanais do município de Arraial do Cabo (RJ).

É a partir dos produtores que as pesquisas são desenvolvidas, como no caso da CMS e do filé de tilápia enlatado. “Tivemos a ideia de uma construção coletiva, junto aos produtores e a agroindústria do oeste paranaense. Quando se desenvolve um produto, é necessário avaliar a obtenção da matéria-prima, e esses produtos foram pensados para um maior aproveitamento das tilápias”, aponta a doutoranda.

Outro produto são os enlatados de pacu, que foi uma construção conjunta com os produtores de pacus em tanques-rede do lago de Itaipu, para agregar valor ao pescado e ter um produto diferencial no mercado consumidor. Assim como a coxinha e o dorso de rã enlatada, que é uma parceria de dez anos com a comunidade de ranicultores de Goiás, desenvolvendo um produto mais elaborado para a exportação.

Um dos grandes diferenciais dos produtos enlatados é o tempo e a forma de conservação. Como são enlatados, os produtos não necessitam de refrigeração e podem ficar até quatro anos na prateleira, gerando economia de energia elétrica e precavendo os produtores de prejuízos caso tenha falta de energia. “Essa pesquisa vem sendo desenvolvida desde 2008, a gente estava esperando os quatro anos de prateleira dos enlatados que foram elaborados anteriormente no trabalho de conclusão do curso de Engenharia de Pesca e agora vamos iniciar os procedimentos para inserir os produtos no mercado”, explica Ana Maria.

A pesquisa científica no país, mesmo desenvolvendo produtos como o sorvete e os enlatados, ainda enfrenta algumas dificuldades com financiamento e estrutura, como explica o orientador de Ana Maria. “Para produzir parte dos produtos contou-se com a colaboração de produtores que disponibilizaram a matéria-prima, porém foi necessário investimento pessoal para o processamento, além de recursos do Programa de Pós-Graduação que auxiliou no deslocamento. Portanto, muitos estudos são simplificados para que seja possível serem executados na estrutura disponível, o que resulta em uma contribuição científica menos efetiva”, salienta Arlindo.

Bistrô do Peixe

A ideia de ter uma empresa que venda produtos à base de pescados, surgiu em 2018 durante um almoço e observando a lacuna no mercado nesse nicho, na região oeste do Paraná. O Bistrô do Peixe é uma startup, ainda na fase de desenvolvimento, e que pretende desenvolver os produtos para a comercialização e conta com um sócio, Adriano Vitor Azevedo.

O sócio de Ana Maria é mestre em Desenvolvimento Rural Sustentável, pela Unioeste e doutorando em Engenharia Agrícola no Campus de Cascavel e enquanto ela se dedica a pesquisa dos produtos, Adriano trabalha na pesquisa do mercado. “Grande parte do que é feito pela Bistrô ainda está em fase de pesquisa, que começou durante a graduação da Ana Maria, seguiu no mestrado e no doutorado. Em cada uma dessas etapas foram desenvolvidos novos produtos, sendo que os produtos do doutorado, ainda estão em desenvolvimento”, explica Adriano.

Para Ana Maria, o desenvolvimento do Bistrô do Peixe se deu dentro da Universidade. “A possibilidade de criar o Bistrô nasceu dentro do curso de pós-graduação, porque lá existe todo um envolvimento do trabalho de pesquisa e extensão com a comunidade. Então a Pós-Graduação me deu a garantia e a possiblidade de que poderia dar certo”, afirma.

3° International Fish Congress & Fish Expo

Em novembro deste ano, Ana Maria expôs a pesquisa e os produtos no 3° International Fish Congress & Fish Expo, que aconteceu em Foz do Iguaçu e contou com a presença da Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, que pode conhecer a pesquisa da doutoranda.

Para Ana, depois de vários anos de pesquisas, ver os produtos desenvolvidos recebendo reconhecimento é motivo de orgulho. “É um orgulho que, sabe, cada parabéns que a gente recebe eu fico muito emocionada, porque cada produto que a gente desenvolveu a gente fez com o coração”, afirma.

Assim, o orientador da doutoranda destaca a importância dos pesquisadores na formulação de novos conhecimentos e no desenvolvimento do país. “O que motiva o Pesquisador é a compreensão de que a ciência proporciona o desenvolvimento de pessoas e lugares, valorizando os saberes locais e apontando soluções eficientes e inovadoras, além de conferir protagonismo aos atores e soberania à nação”, salienta Arlindo.

A pesquisadora ainda espera que seu trabalho, desenvolvendo os produtos à base de pescado, seja uma referência para a alimentação saudável. “A gente sabe que não vai acabar com a fome no mundo, mas eu gostaria de deixar um legado para a sociedade, de que é possível de fazer, basta ter vontade, cada um contribuindo um pouco na busca por um mundo melhor e mais sustentável”, finaliza Ana.

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